28 de outubro de 2020
DNA não é um projeto

by:Clara Carvalho

Sabe a "Síndrome da Gabriela”? Eu nasci assim, eu cresci assim e vou ser sempre assim...

Bom, essa síndrome é comum entre nós. A visão comum da hereditariedade é que todas as informações passadas de uma geração para a outra são armazenadas no DNA e que essas informações codificadas nos genes são determinantes.

Mas, o que é bem estabelecido pela ciência é que os genes desempenham um papel importante em nosso desenvolvimento e funcionamento, não como diretores, mas como partes de um sistema complexo.

O DNA tem informações básicas que, quando combinadas com as estruturas orgânicas apropriadas (no óvulo) e o contexto (o útero da mãe), facilitarão o crescimento de uma única célula (a combinação do espermatozoide e do óvulo) em uma pessoa.

Então a síndrome da Gabriela não é o caminho da evolução. Os nossos traços de fato emergem das interações de genes, mas uma variedade de influências ambientais e de desenvolvimento, e sequências de DNA semelhantes podem produzir resultados ligeiramente diferentes.

O código genético não é uma "escrita divina", o determinismo genético - a ideia de que o DNA determinará nosso destino e identidade - está profundamente enraizado em nossa cultura e precisa ser entendido melhor.

Nosso DNA influencia quem somos, mas não de maneira linear, ele existe para "facilitar" e não para "determinar". O DNA não é o projeto de vida, em vez disso, contém muitos dos códigos e sinais básicos para o desenvolvimento.

Com o sucesso generalizado desta tecnologia, no entanto, também surge um campo de distorção da realidade. O DNA não é um projeto, mas sim uma receita que codifica milhares de proteínas diferentes que interagem entre si e com o meio ambiente, assim como os ingredientes de um bolo no forno. 

Enquanto um projeto é uma cópia exata e desenhada em escala do produto final, uma receita é apenas um enredo solto que deixa muito mais espaço para a incerteza. 

Fazendo uma analogia simples, quando você abre um pacote de biscoito, cada um foi feito com a mesma receita e cozido nas mesmas condições, mas não existem dois iguais, você irá encontrar alguma diferença: seja uma queimadura aqui, uma lasca de chocolate ali, saliências e caroços aparecendo em lugares distintos, tudo por causa das interações caóticas entre os ingredientes e o ambiente.

Se você observar dois gêmeos idênticos, o que esperará perceber? Bom, são duas pessoas parecidas, não iguais. Eles compartilham o mesmo DNA, e seus embriões se desenvolveram lado a lado no mesmo útero. 

No entanto, eles têm gostos, personalidades, atitudes e escolhas diferentes. Ao ler o DNA de gêmeos, você encontra uma cópia duplicada da mesma receita, mas com duas personalidades distintas. Não é o que você chamaria de plano fixo. Não herdamos instruções específicas sobre como construir uma célula ou um órgão. 

Nosso DNA contém uma lista de ingredientes bioquímicos (as proteínas codificadas nos genes) e as regras básicas para sua montagem (algumas proteínas são rotuladas como “mestras” e podem controlar a atividade de outras, enquanto outras podem iniciar uma cascata de eventos semelhantes a dominantes), mas as peças se auto organizam em vias bioquímicas, células e tecidos sem ler um manual. 

A receita genética de um gato não dá um elefante, mas você não pode ler o DNA de um indivíduo e ter certeza do que sairá daquilo. Com o avanço tecnológico, clínicas e pesquisadores vem sequenciando DNA para inferir sobre probabilidades de comportamentos futuros.

Existem locais em que o sequenciamento de DNA é feito para busca de talentos inatos das crianças e desenvolve-las em torno do resultado.

Por exemplo, na China, onde há a política do filho único em vigor há décadas e uma economia galopante, colocaram uma enorme pressão sobre os pais para dar aos seus filhos uma vantagem competitiva, é comum que os pais busquem esse tipo de serviço antes de escolher uma escola para seus filhos.

Estamos começando a viver uma era em que há uma busca desenfreada de desenvolver talentos decodificados na leitura da sequência de DNA, sem levar em consideração a previsão de comportamentos.

Não se engane: algumas características são de fato geneticamente programadas e algumas doenças são determináveis por condições e atitudes durante a vida. Por exemplo, as pessoas com uma mutação patogênica genética em um determinado gene, desenvolverão fibrose cística independentemente de seu estilo de vida. 

Mesmo habilidades que antes eram consideradas apenas uma questão de educação, como a linguagem, o pensamento abstrato e muitos traços comportamentais têm um componente genético significativo. Mas isso não significa que o DNA sempre tenha a vantagem. 

O oposto é verdadeiro: a esmagadora maioria de nossas características depende da combinação de muitos fatores genéticos e não genéticos e, portanto, são difíceis de prever a partir do DNA. A partir do seu estilo de vida você pode desenvolver doenças crônicas ou não, por exemplo Diabetes, Alzheimer, entre outras.

Todos nós temos a probabilidade de contrair doenças diferentes. Mas quando o fazemos, nossos resultados podem variar de pessoa para pessoa com a mesma doença. Muito disso é produto de nossos diferentes genomas.

Existem limites para o que as informações do genoma podem fazer pelo risco de doenças. Por isso a metáfora favorita da comunidade científica é que o genoma é uma receita - as pessoas que recebem a mesma receita podem fazer pratos com um sabor um pouco diferente.

“O genoma é o ponto de partida, mas não é a resposta para tudo” - Joshua LaBaer, professor e diretor executivo do Biodesign Institute da ASU.

Se formos um bolo de cozimento lento, poderemos, assim como a ciência faz com o DNA, espiar pelo vidro e verificar se algo parece engraçado dentro do forno, mas não será possível prever o que resultará naquele processo de cozimento - assim como em nossa vida, cada experiência e sorte, acaso, será responsável por um tipo de amanhã e depois de amanhã.

A mensagem que fica é, você não nasceu assim, não cresceu assim e, por fim, não vai ser sempre assim. Como diria Heráclito:

“Um homem nunca se banha duas vezes nas águas do mesmo rio, tudo que percebemos como imutável é uma ilusão. A vida é uma constante transformação. TUDO muda o tempo inteiro, não existe absolutamente NADA parado.”

Você é o capitão do barco, a rota está nas suas mãos.

 

Autor:
Clara Carvalho